A Semana Santa em Barbacena

26/03/2013 20:05

 

 

 

 

Barbacena tem vasto e relevante conteúdo histórico e cultural. Desde seus primórdios, ostenta em sua história fatos que a qualifica como uma das cidades das “Minas Coloniais”. É por Barbacena que passa a história de Minas e por que não dizer do Brasil.

 

Barbacena, terra de homens ilustres, vultos de expressão nacional, tendo nos anais da história, a marca deixada por vários destes filhos que honraram e ajudaram a construir e gravar para a posteridade o nome de Barbacena. São personagens de invulgar expressividade, sejam diplomatas, juristas, políticos, estadistas, musicistas, poetas, pintores, atletas, artistas em geral, são vários os nomes a engrandecer a história de Barbacena, infelizmente esquecidos pelas gerações de nossos tempos.

 

Além do privilégio histórico, construído ao longo de quase 300 anos, temos outros privilégios culturais, como o patrimônio material. Os belos casarões, as alegres praças que enfeitavam as ruas da cidade, a Rua XV, possivelmente seria o caminho novo. O patrimônio imaterial, como as festas religiosas de nossa terra: Semana Santa, festa da Boa Morte, do Rosário, do Carmo e outras mais. São nas histórias das igrejas de Barbacena que se confundem a própria história do município desde os primórdios da “Borda do Campo”. Foi a Igreja Católica, em todo o Brasil, em especial nas “Minas Coloniais”, a promotora não só da fé e da religiosidade, mas principalmente das artes e da cultura. Deve ela, ainda hoje, ser uma das guardiãs da cultura do município, tendo em vista sua herança cultural.

 

Temos o privilégio ainda, da localização, pois somos “A porta para o Barroco Mineiro”, é por Barbacena a entrada obrigatória para as “Minas Coloniais” é por aqui que os visitantes passam a caminho das outras cidades históricas. Somos integrantes da “Estrada Real”, as vezes pouco ou nada divulgada em nosso meio. Com uma altitude de 1200 metros, um clima agradável, temos o mais intenso “azul de céu” nos dizeres de George Bernanos. No adro da Boa Morte, o poeta Honório Armond dizia: “Olho para esses morros, para essa luz, para esse verde, para esses longes e me pergunto: há lugar mais belo para se fazer versos?”.

 

Mas onde está esta Barbacena? Onde está a sua história, sua beleza, suas praças, seus jardins? Em 1987 numa entrevista para o jornal “Estado de Minas” o genial pintor Emeric Marcier dizia: “A luz de Barbacena é a única coisa que ficou, o resto foi demolido, a cidade foi estragada”. Mas quem a estragou? E os títulos como: “Mui nobre e leau cidade”, “A princesa dos campos”, “Terra dos governadores e senadores”, “Cidade das rosas”. E onde estão estas tão famosas rosas? Uma rosa está plantada no centro da cidade. A rosa mais bela de todas as rosas: a Matriz de Nossa Senhora da Piedade! Mais precisamente no alto do trono da Matriz, a bicentenária imagem da Padroeira de Barbacena e do Estado de Minas Gerais, que a 262 anos abençoa este povo. A Matriz recebeu visitas ilustres como Tiradentes, Dom Pedro II que doou o relógio de torre, Gabriela Andrada, a filha do Patriarca da Independência que aqui viveu, morreu e está sepultada no cemitério da Boa Morte. Padre Mestre Correia de Almeida, o grande poeta satírico. O Inconfidente Padre Manoel Rodrigues da Costa, o único inconfidente não sepultado em Ouro Preto como os demais, mas sepultado na Capela do Santíssimo da Matriz. Dos púlpitos da Matriz, todos se emocionavam com os sermões do Padre Sinfrônio Augusto de Castro. Foram tantas cerimônias, eventos importantes ali celebrados. E é na Matriz da Piedade que ainda é realizada, graças ao esforço de um pequeno grupo, a Tradicional Semana Santa de Barbacena. Dizemos isso não por bairrismo, mas por que somente na Matriz da Piedade é que acontecem certas cerimônias, alguns costumes que outras paróquias mais novas não possuem. Como por exemplo, o Setenário das Dores, que acontece a mais de 150 anos.

 

E desde o Setenário das Dores até a Semana Santa, somos envolvidos por um mistério; aquele ambiente do interior da Matriz com o odor do rosmaninho, do incenso, as músicas, as pregações e as orações, são as celebrações do sofrimento, da morte e da gloriosa Ressurreição de Cristo. É a ocasião que toda a população faz questão de participar de algum modo de tais celebrações. Além das comemorações litúrgicas, aquelas que toda Igreja Católica celebra, em Barbacena existem as comemorações para-litúrgicas, aquelas que herdamos dos nossos antepassados e que chamamos de tradições de nossa terra, do nosso povo. E a nossa Semana Santa é enriquecida, sem bairrismo algum, da beleza das imagens do Senhor Bom Jesus dos Passos, Senhor Morto e Senhora das Dores. Elas nos levam a uma meditação mais profunda. Elas são peças mais que importantes para as tradicionais celebrações dos mistérios da redenção. Não só pela beleza dos rostos serenos e de uma infinita resignação, mas também pela história de cada uma delas. São testemunhas da fé e do amor de quem as esculpiu. Sem elas talvez as cerimônias não seriam tão tocantes. Lembrando que, imagens, não as adoramos, mas, as veneramos. Herdamos da colonização portuguesa os costumes, o fascínio pelos templos e suas obras de arte.

 

Outro exemplo, são as procissões dos Depósitos, do Encontro e da Soledade, onde diante dos “Passinhos” que são aquelas pequenas capelas centenárias no centro da cidade, as imagens do Senhor dos Passos e da Senhora das Dores fazem uma parada enquanto o coral e orquestra executam os motetos, para nossa meditação.

 

Outra tradição bem própria da Semana Santa de Barbacena é a mudança do cenário que acontece no interior da Matriz durante os dias da Semana Santa de acordo com as cores litúrgicas.

 

A Semana Santa é a que precede imediatamente a festa da Páscoa. É chamada santa por causa da santidade dos mistérios que nela se celebram.

 

Na Paróquia Nossa Senhora da Piedade de Barbacena, assim como em outras centenárias paróquias do Estado de Minas Gerais, a Semana Santa é marcada pela “herança espiritual” vinda da colonização portuguesa, enriquecida com os costumes reunidos por nossos antepassados que, com muito zelo e esmero, preparavam-se para celebrar intensamente os sagrados mistérios da Paixão, Morte e gloriosa Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

No Santuário da Piedade ainda são realizadas certas cerimônias e preservados costumes benéficos que, embora acessórios, muito contribuem para preparação espiritual dos fiéis. Exemplo disso é o Setenário das Dores de Nossa Senhora, os Ofícios Litúrgicos, as diversas Procissões, seguidas de valiosas pregações, etc.

 

Quem participa de tais solenidades em nossa paróquia, desde o Setenário das Dores até o Domingo da Ressurreição do Senhor, é envolvido por um mistério que vai se revelando a cada dia no recinto do Santuário, ao suave perfume do rosmaninho[1] e do incenso, ao som das antífonas, hinos e cânticos especialmente compostos para a ocasião, além de reflexivas pregações e orações, nos preparando para com Cristo morrer para o pecado e com Ele ressuscitar para uma vida nova. É edificante perceber que a população se deixa levar por esse “clima”, fazendo questão de participar de algum modo de tais celebrações.

 

Além dos ofícios e celebrações litúrgicas, ou seja, aquelas prescritas pela Igreja, a Semana Santa no Santuário da Piedade é marcada por atos paralitúrgicos, que são os exercícios espirituais que herdamos dos nossos antepassados. E essas cerimônias são enriquecidas pela beleza das imagens do Senhor Bom Jesus dos Passos, da Senhora das Dores e do Senhor Morto, que nos propiciam uma meditação mais intensa dos mistérios da redenção. Isso se verifica não apenas nos semblantes serenos, de uma infinita resignação, mas também pela história de cada uma dessas obras de arte, pois são testemunhas da fé e devoção de milhares de pessoas que, venerando-as ou seguindo seus cortejos, abriram-se ao infinito amor de Deus, dirigindo-lhe preces e agradecimentos.

 

Nesse aspecto, cabe fazer um pequeno parêntese para conhecer um pouco das histórias dessas imagens processionais:

 

A Imagem do Senhor dos Passos: Esta imagem, segundo informações de pessoas mais idosas, possivelmente foi uma oferta da família do Conde de Prados (séc. XIX). Tanto a capela lateral do Santuário quanto a imagem do Bom Jesus estiveram sob os cuidados de Dona Possidônia Eleodora da Silva, mãe do Conde de Prados. Esta senhora passou tal atribuição para sua afilhada, a Sra. Phorfíria Eleodora M. de Magalhães, mãe do Dr. Olinto Magalhães. Em certa época, Dona Phorfíria mandou reformar completa e luxuosamente a capela. A túnica primitiva da imagem foi tecida especialmente numa das mais célebres fábricas de seda da cidade de Lyon, a pedido do Dr. Olinto, então embaixador do Brasil na França. Em 1934, com o falecimento de Dona Phorfíria, o zelo da capela passou para sua sobrinha, a Sra. Estela da Cruz Machado Vilela, que a isso se dedicou com todo carinho até a sua morte em 1993. Meses antes de seu falecimento, “Dona Estelinha”, como era conhecida, passou o encargo para a Sra. Margarida Campos Esteves que, apesar da idade avançada, fazia questão de manter o costume. Dona Margarida faleceu em 2008, prosseguindo no ofício o seu filho Luiz Álvaro Esteves.

 

 

 

 

 

- A Imagem de Nossa Senhora das Dores: Esta bicentenária imagem foi doada por Francisco Gonçalves Filgueiras à Irmandade no dia 26 de dezembro de 1787. É dotada de um olhar compassivo e sereno, traços expressivos e mãos delicadas. Possui ricas e artísticas roupagens, destacando a veste escura usada na Sexta-feira Santa, além de ornamentos e atributos de fino gosto, como o coração traspassado por sete espadas e o resplendor que ostenta sobre a cabeça. Em anos que já se vão longe, a imagem era cuidada pela Sra. Araci Gorgulho, que foi sucedida pelas saudosas senhoras Alzira Stefani e Maria da Conceição Bello Miranda (“Sinhá Miranda”). Com a saúde abalada, estas duas ficaram impedidas de continuar a tarefa, passando, então, o ofício à Sra. Margarida Campos Esteves.

 

 

 

 

 

- A imagem do Senhor Morto: De fatura provavelmente mineira, ela exprime a dramaticidade barroca de sua época (séc. XVIII ou início do séc. XIX). Na Procissão do Sepultamento do Senhor, esta imagem é conduzida em um belo esquife, preparado com lençóis e fronhas de linho puro bordados (séc. XIX/XX), uma colcha ricamente bordada pelas mãos da saudosa Sra. Alice Ede, que já bastante idosa e com dificuldade visual, ofertou ao Senhor Morto. As alfaias do esquife estiveram durante anos sob os cuidados da Dona “Sinhá Miranda”. Atualmente, a responsabilidade é de Luiz Álvaro Esteves.

 

 

 

 

Uma característica bem típica da Semana Santa no Santuário da Piedade é a transformação ocorrida no interior do Templo, harmonizando seu ambiente com o contexto litúrgico ou paralitúrgico das cerimônias que ali vão acontecer. Essas particularidades serão comentadas mais adiante, segundo o desencadear dos acontecimentos.

 

O Domingo de Ramos

                                                                                                    

O Domingo de Ramos assinala o início da Semana Santa. É um domingo festivo, pois se celebra a entrada triunfante de Jesus Cristo em Jerusalém, alguns dias antes de sua Paixão. Os hebreus vinham ao encontro dele, adornando o caminho por onde ira passar, cortando galhos de árvores que se carregavam em sinal de alegria, aclamando-o Rei de Israel.

 

Pela manhã, na Igreja de Nossa Senhora Rosário, os fiéis se reúnem para o início da celebração, com a bênção dos Ramos, dando sequência à procissão que percorre a principal rua da cidade, Rua XV de Novembro, a caminho do Santuário de Nossa Senhora da Piedade.

 

Os sinos repicando, a multidão alegre com os ramos nas mãos, a Irmandade do Santíssimo Sacramento conduzindo o cortejo, o sacerdote de vestes vermelhas, na representação de Cristo, o coro entoando o “Hosana ao Filho de Davi, Bendito o que vem em nome do Senhor”… Todo esse contexto faz memória à entrada triunfal de Jesus na cidade santa de Jerusalém.

 

Antigamente, quando a comunidade de Nossa Senhora Boa Morte pertencia à Matriz da Piedade, essa cerimônia tinha início naquele templo filial. A Procissão de Ramos seguia, então, a Rua José Bonifácio, que se transformava em um verdadeiro tapete verde.

 

À chegada da procissão, os fiéis adentram no recinto do Santuário, devidamente ornado de vermelho, com jarras contendo ramos, folhas de palmeiras e samambaias e o rosmaninho[1] espalhado pelo chão, deparando-se, no alto do altar-mor, uma grande e antiga tela à óleo retratando a entrada de Cristo na cidade de Jerusalém. Nos púlpitos, posicionam-se dois clérigos ou leigos para interpretar, de um lado, o cronista, do outro, Pilatos. Do altar-mor, o sacerdote, como Cristo e, no coro, as vozes e orquestra como a multidão. É iniciado, assim, o canto da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, dando prosseguimento à missa solene.

 

No contexto do que chamamos de “herança espiritual” de nossa paróquia, os atos paralitúrgicos nos convidam a uma meditação mais profunda acerca da narrativa da Paixão que ouvimos durante a Semana Santa. São, assim, realizadas procissões percorrendo as principais ruas da cidade, como a da Soledade de Nossa Senhora, a do Encontro de Jesus a caminho do Calvário com sua Mãe e a do sepultamento de Nosso Senhor.

 

Como as imagens processionais acham-se entronizadas em suas respectivas capelas no interior do Santuário, surge a necessidade de transportá-las para templos distintos, a fim de viabilizar a Procissão do Encontro.

 

Esses deslocamentos eram realizados, antigamente, num horário mais avançado da noite. A imagem da Senhora das Dores saía do Santuário para a Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e a do Senhor dos Passos para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Alguns membros da Irmandade dos Passos cobriam a imagem e a levavam nos ombros até a Igreja do Rosário. Lá, então, era preparado o andor e acontecia a troca da veste da imagem para a Procissão do Encontro, no dia seguinte. Com o passar dos anos, aquele simples “depósito” se transformou numa verdadeira procissão, tal como hoje conhecemos.

 

A imagem do Senhor dos Passos começou, assim, a ser conduzida para a Igreja do Rosário envolta por um velário (armação quadrada, revestida de tecido roxo – que alguns consideravam como símbolo da prisão de Jesus). Na chegada da procissão, este artefato era retirado e do púlpito o sacerdote pregava o “Sermão do Pretório” (ou da prisão). Já no depósito da Senhora das Dores, a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte vinha em procissão até o antigo Fórum “Mendes Pimentel”, localizado na Praça Conde de Prados, e dali até a Igreja da Boa Morte esta Irmandade conduzia o andor.

 

No dia seguinte, ocorre a Procissão do Encontro das duas imagens em frente ao Santuário, onde é proferido o “Sermão do Encontro”, ao fim do qual são reunidos os dois cortejos, prosseguindo pelas ruas da cidade, com as meditações nos “passinhos”.

 

Aos que desconhecem a expressão, “passinhos” são aquelas centenárias capelinhas existentes em diversas ruas do centro da cidade. Nelas, as Procissões do Encontro e da Soledade fazem uma pequena parada onde o sacerdote deposita o relicário contendo o Santo Lenho. Após incensar a imagem e a relíquia da Cruz de Nosso Senhor é feita a meditação da respectiva estação processional, enquanto o coral executa os motetos próprios. São sete os passinhos: – O primeiro é na Igreja do Rosário; – O segundo era no casarão da família Amaral, hoje, rua Dr. Francisco Abranches. Com a demolição desta residência, por muitos anos o passinho funcionou na casa do Sr. Paulo Gonçalves (Gráfica e Jornal “Cidade de Barbacena”). Recentemente, com a demolição desta residência, o passinho é instalado no casarão do Instituto “Onda Gomes”; – O terceiro, no Solar dos Andradas; – O quarto, no Educandário Sagrados Corações de Jesus e Maria; – O quinto, no início da Rua General Câmara; – O sexto, na Praça Padre Correia; – O sétimo, no Santuário da Piedade.

 

Em tempos remotos, um interessante detalhe marcava esta procissão no trajeto da Igreja do Rosário até o instante do “encontro”: a banda de música seguia o andor do Senhor dos Passos tocando dobrados festivos, representando o povo daquela época com chicotadas e insultos a Jesus, a caminho do calvário. Outra curiosidade de época era o fato do encontro das imagens acontecer defronte ao passinho do Educandário, tendo em vista a meditação daquela estação. Do púlpito, por vários anos, o respectivo sermão foi pregado pelo saudoso Padre Sinfrônio Augusto de Castro, virtuoso orador sacro, ainda relembrado nos dias atuais.

 

À entrada da procissão do Encontro, já no interior do Santuário, é proferido o “Sermão do Calvário” diante do cenário que aos poucos vai se desvelando no camarim do altar-mor, onde a imagem da Virgem das Dores, que foi conduzida em procissão, já se encontra junto à Imagem do Senhor Crucificado, ladeada de dois jovens figurantes, trajados como Maria Madalena e João Evangelista, que a seguiram do decorrer de todo o cortejo.


A Quinta-feira Santa

 

Da Segunda-feira até a Quarta-feira Santa, a cor roxa volta a predominar o interior do Santuário.

 

Todavia, na Quinta-feira Santa o ambiente é outro, pois esse dia é consagrado à memória da instituição da divina Eucaristia e do sacerdócio. A cor branca ganha destaque no altar-mor com cortinas, jarras com rosas, a prataria do século XVIII brilhando, luzes, velas, cachos de uvas, trigos e anjos.

 

A Igreja parece, por um instante, esquecer o drama da Paixão para festejar o grande mistério eucarístico: os cânticos são alegres; os sinos repicam para emudecerem depois, até o Sábado de Aleluia; ouve-se, também, o Gloria in excelsis.

 

À noite, pelas 19h00, inicia-se a Missa Solene com a Cerimônia do Lava-Pés precedida do Sermão do Mandato – “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Logo após a missa, ocorre uma pequena Procissão do Translado do Santíssimo para sua Capela, devidamente preparada e ornamentada. Ali, Nosso Senhor Sacramentado recebe adoração de todos os fiéis até à meia noite. Depois dessa cerimônia, é realizada a desnudação dos altares do Santuário, seguindo as prescrições litúrgicas.

 

 

A Sexta-feira Santa

 

A Sexta-feira Santa traz a lembrança da paixão, crucifixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

O interior do Santuário, que antes estava reluzente, revestido de branco, agora tem seu ambiente fechado pela predominância da cor negra. Ao entrarmos no Templo o impacto é grande, as cortinas escuras e crepes ligando um lustre ao outro concentram todo o destaque para a Cena do Calvário: a imagem do Crucificado entre os dois ladrões, tendo ao lado a imagem da Mãe Dolorosa. Trata-se um costume muito remoto em Barbacena. Os mais antigos diziam que as cortinas pretas “contavam” histórias já do final do século XIX. O escuro simbolizando as trevas e o vazio gerado pelo pecado.

 

O ambiente nos mostra a dramaticidade da morte de Jesus Cristo e nos afirma: se não temos Deus em nossa vida, somos como aquele ambiente, escuro e vazio.

 

Antes mesmo do amanhecer daquele dia uma multidão de fiéis vai se enfileirando pelo corredor do Santuário para venerar e fazer suas orações diante da cena do calvário, ao mesmo tempo em que aguarda o início da procissão da penitência que, por volta das 05:00 horas, vai percorrendo as ruas da cidade meditando as estações da via-sacra.

 

Às 9h00, no interior do Santuário, é rezada a Via-Sacra Solene, com a execução dos hinos e motetos alusivos à Paixão de Nosso Senhor. As meditações desta cerimônia, há muito consolidada, foram escritas pela saudosa poetisa barbacenense Annita Coutinho que, no decorrer de cada estação conduzida por um representante de determinado segmento social, conjuga os fatos da vida e a postura de nossa sociedade frente às dolorosas tribulações enfrentadas por Jesus Cristo a caminho do Calvário.

 

Ao meio dia inicia-se o Sermão das Sete Palavras. Ali, contemplando todo aquele ambiente que nos remete ao Calvário, meditamos as últimas palavras do Salvador:

 

- Primeira Palavra: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23, 34)

- Segunda Palavra: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43)

- Terceira Palavra: “Junto à Cruz de Jesus estavam de pé sua Mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cleófas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua Mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis aí teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis aí tua Mãe”. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa” (Jo 19, 25-27)

- Quarta Palavra: “Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?” (Mt 27, 45)

- Quinta Palavra: “Tenho sede.” (Jo 19, 28)

- Sexta Palavra: “Tudo está consumado” (Jo 19, 30)

- Sétima Palavra: “Pai, nas tuas mãos, entrego o meu espírito” (Lc 23, 46)

 

Por vários anos este Sermão foi proferido pelo Pe. Sinfrônio Augusto de Castro, notável orador sacro, onde um aglomerado de fiéis permanecia no interior do Santuário na expectativa de ouvir suas grandiosas palavras. Em 1967, Pe. Sinfrônio subiu ao púlpito e pregou pela última vez o Sermão do Calvário, que ficou marcado na memória dos paroquianos que o ouviam presencialmente ou através das rádios locais.

 

Às quinze horas acontece a Solene Ação Litúrgica. Na Sexta-feira Santa não se celebra missa, pois em memória do sacrifício do calvário não se oferece o sacrifício do altar. A cerimônia começa com a entrada silenciosa dos ministros, vestidos de cor vermelha (a cor do martírio), que se prostram no chão, enquanto todos se ajoelham, e depois de um espaço de silêncio, reza-se a oração do dia. Após as leituras e salmo, inicia-se a o canto da Paixão segundo São João (Jo 18,1-19.42), na mesma estrutura como foi entoado no Domingo de Ramos. Na sequência, é feita a Oração Universal, consistente em preces solenes pela Igreja, pelo Papa, por todas as ordens e categorias de fiéis, pelos catecúmenos, pela unidade dos cristãos, pelos judeus, pelos que não creem no Cristo, pelos que não creem em Deus, pelos poderes públicos, por todos os que sofrem provações. Após, é iniciada a adoração da Cruz, onde o oficiante, descobrindo-a progressivamente, entoa, por três vezes: “eis o Lenho da Cruz”, ao que o povo responde: “Vinde, adoremos!”. Aproximam-se, então, os fiéis, manifestando sua adoração pela genuflexão, pelo beijo ou por outros gestos apropriados. A cerimônia é terminada com a distribuição da sagrada comunhão, com a reserva eucarística da Quinta-feira Santa.

 

 

Ao cair da noite, uma multidão vai se formando no adro da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, onde está preparado o Calvário para a pregação do Sermão do Descendimento da Cruz. A imagem do Senhor Morto, que tem os braços articulados, dá-nos a ilusão da realidade. Após despregarem da cruz as mãos e os pés durante o sermão, o corpo do Senhor é descido e depositado no esquife devidamente preparado, no qual será conduzido. A cena da Procissão do Enterro pelas ruas da cidade é tocante. Os penitentes transportando o esquife coberto pelo pálio, precedidos de doze homens na representação dos discípulos de Jesus. Logo atrás, o andor, desnudo de flores, conduzindo a Mãe das Dores. A banda de música tocando em cadência fúnebre, o estalar das matracas, e algumas paradas para o canto da “Verônica”, mostrando o Sudário aos fiéis. Mais à frente do cortejo, a figuração de vários personagens bíblicos do antigo e novo testamento, fazendo memória à história da salvação…  Tudo isso sob o olhar da lua cheia! O desfecho da procissão do Sepultamento do Senhor ocorre no interior do Santuário da Piedade, onde a “Verônica” canta pela última vez. Os fiéis, então, se organizam para venerar as imagens processionais naquele ambiente de silêncio e oração.

 

 

O Sábado Santo e a Vigília Pascal

 

Durante o Sábado Santo a Igreja permanece junto do sepulcro do Senhor, meditando a sua paixão e morte, esperando na oração e no silêncio a ressurreição. É o momento de meditar sobre a sepultura do Senhor, certificação de sua morte, pertencente à forma mais antiga da fé: “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Cor 15,3-4).

 

No interior do Santuário da Piedade, durante todo o dia, grupos de pessoas se revezam com orações diante das Imagens do Cristo Morto e da Senhora das Dores. Pela manhã, é rezado o Ofício das Leituras e das Laudes, com a participação do povo para contemplar, em piedosa meditação, a paixão, morte e sepultura do Senhor, à espera do anúncio da sua ressurreição.

 

No final da tarde, aquele ambiente fechado, com predominância da cor negra, vai aos poucos desaparecendo, dando lugar à preparação para o anúncio da ressurreição.

 

À noite, celebra-se a solene Vigília Pascal. Com o Templo todo escuro, após a bênção do fogo novo e do Círio Pascal, símbolo do Senhor Ressuscitado, este é aceso e sacerdote (ou diácono) vai conduzindo-o solenemente em direção ao presbitério, entoando, por três vezes: “Eis a luz de Cristo”, ao que a numerosa assembleia responde: “Demos graças a Deus”. Ao chegar no altar-mor o Círio é colocado num lugar de destaque e canta-se o “Exultet,”, proclamando-se a Páscoa. Após algumas leituras prescritas é entoado o Gloria in excelsis Deo. As luzes são acesas, os sinos e campainhas tocam, velas acesas, flores visíveis, o coral e orquestra executam o vibrante hino e a cortina negra que cobria todo o altar-mor é descerrada dando lugar a uma cena memorável: entre nuvens de incenso, uma grande tela à óleo, retratando a Ressurreição de Cristo. Mais abaixo, a imagem da Senhora das Dores, agora, ricamente vestida de azul e branco: é a Senhora do Triunfo.

 

A cerimônia prossegue com a Liturgia da Palavra até a proclamação do Santo Evangelho, precedido da solene aclamação com o cântico da Aleluia, que reaparece em sinal de júbilo. Na sequência, a liturgia batismal e a liturgia eucarística, completando esta belíssima cerimônia em memória da noite santa da ressurreição gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

O Domingo da Ressurreição do Senhor

 

A Missa Solene desse dia é particularmente cheia de alegria e esperança, pois celebramos a glória do Senhor ressuscitado, com o espírito renovado pelo sacramento da reconciliação, unidos a Jesus Cristo pela Sagrada Comunhão.

 

Após a cerimônia, segue-se a Coroação de Nossa Senhora do Triunfo, que se rejubila pela vitória de seu Divino Filho. As Sete Espadas, que representam as suas Dores, são retiradas para, então, ser depositada solenemente em sua fronte a bela coroa de ouro, ofertada pelos Católicos Barbacenenses em 08/12/1904, ao canto de “Regina Coeli”, entre palmas, vivas, repiques dos sinos e uma chuva de pétalas de rosas.

 

À tarde, o grande desfecho, com a solene Procissão do Triunfo Glorioso de Cristo na Sua Ressurreição, percorrendo as ruas da cidade entapetadas de flores. As janelas das casas enfeitadas e coloridas por colchas e toalhas, recepcionando o cortejo festivo. Todos os fiéis voltam os seus olhares para a Hóstia Santa: Eu sou o pão vivo descido do céu”. É Nosso Senhor Sacramentado abençoando a todos e como que dizendo: “Eu venci a morte e estou com vocês!”. É um comovente e verdadeiro ato de fé e devoção ir ao encontro do Senhor Ressuscitado e anunciar a sua gloriosa vitória sobre o pecado e a morte, como fizeram aquelas santas mulheres que logo pela manhã foram ao encontro dele e se depararam com o sepulcro vazio.

 

Aquela tarde ensolarada se reveste, assim, de uma atmosfera sublime, contemplando a multidão de fiéis, os diversos movimentos pastorais e as associações religiosas e irmandades, com suas insígnias, conduzindo o pálio que abriga a Divina Eucaristia. Na chegada ao Santuário, a grandiosa aclamação com sinos, palmas, vivas, cânticos e bandas de música tocando dobrados vibrantes. Tudo é a Festa da Páscoa, da Ressurreição, da Vida que se renova.

 

O grande encerramento ocorre com o canto do Te Deum, seguido da solene Bênção do Santíssimo Sacramento.

 

Esse é o breve resumo das celebrações da Semana Santa na Paróquia de Nossa Senhora da Piedade que, no contexto de suas atividades pastorais e missionárias, sempre buscou vivenciar com carinho, amor e fé, este legado bendito de nossos antepassados. Só quem participa, experimenta concretamente o espírito de piedade que reveste esse período santo, vivenciado pelos fiéis no coração da cidade de Barbacena.

 


[1] Um costume muito antigo em nossa paróquia é a utilização do rosmaninho durante a Semana Santa. Trata-se uma planta aromática cujas folhas são debulhadas dos galhos e espalhadas pelo chão da Matriz. Com as pessoas pisando nas folhas, estas exalam um aroma agradável. Quanto à sua simbologia, os mais antigos diziam que as folhas do rosmaninho são como Cristo: quanto mais pisadas, massacradas, maior é o seu perfume. Do mesmo modo, foi necessário que Nosso Senhor passasse pelas tribulações do martírio para que a humanidade percebesse e se abrisse ao seu infinito amor.